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Afinal Quem ficou com as ações de João Lourenço no Banco Sol quando não era presidente?

Faltavam quatro meses para as eleições gerais de 2017 em Angola, já com indicadores de que a transparência e o fim da promiscuidade na relação entre gestores públicos e privados estariam em foco na campanha eleitoral, quando João Lourenço deixou de fazer parte da estrutura acionista do Banco Sol, colocando as suas ações em nome de uma sociedade anónima registada em nome de cinco pessoas.

Trata-se da AZURY — Serviços de Consultoria, SA, criada com um capital social de 2 milhões de Kwanzas (€11,3 mil à taxa de câmbio da altura), na Loja de Registos e Notariado do Cassenda, em Luanda, a 17 de fevereiro de 2017. Neste mesmo ano, a 9 de março, acontecia a publicação da empresa em “Diário da República”.

Os documentos relativos à constituição da sociedade foram assinados na firma de advogados CFA, acrónimo de Carlos Feijó e Advogados, situada no 15.o andar do edifício CIF Luanda One, Rua 1o Congresso do MPLA.
Mas foi registada com o endereço social (sede) na Rua Marechal Brós Tito, nos 35/37, Edifício ESCOM, sexto (6o) andar, onde funcionava uma dependência do escritório de Feijó, atual membro do Bureau Político do MPLA e antigo assessor e ministro de Estado e chefe da Casa Civil na presidência de José Eduardo dos Santos.
A investigação do Expresso apurou que três dos subscritores da referida sociedade são funcionários de Carlos Feijó: Lucrécia António Garcia, auxiliar administrativa; Domingos da Silva Luís, chefe de transportes; e Adriano Gomes da Costa (não conseguimos identificar a função).
O Expresso não conseguiu apurar se os outros acionistas formais que representam as participações do Presidente Lourenço, nomeadamente José Dias dos Santos e Paulino Inácio, serão também funcionários do político e advogado Carlos Feijó.

Além de funcionários de Feijó há um outro elemento importante que liga os acionistas da AZURY, SA: todos eles vivem em bairros pobres da província de Luanda, como Rangel e Samba. Alguns deles, por exemplo, residem no bairro da terra-nova, município do Rangel, um conhecido subúrbio da capital angolana.
De resto, a colocação das ações de João Lourenço em nome de funcionários do escritório de Carlos Feijó tem sido o modus operandi de vários governantes e dirigentes políticos que, por força da lei, não podem exercer funções empresariais e que, por isso, indicam as suas cozinheiras, escriturários, estafe- tas ou motoristas como proprietários do seu património.
Um rasto de falta de transparência
Desde 2011 que João Lourenço detinha 5,42% do capital social do Banco Sol, não se conhecendo os meandros da sua entrada na estrutura, muito menos da saída, indireta, da instituição bancária fundada a 2 de outubro de 2001.
A saída, de resto, não foi objeto de qualquer informação pública, tanto da parte do Presidente angolano como do banco dirigido por Coutinho Nobre Miguel. Aliás, a agenda de trabalhos da reunião da assembleia-geral ordinária de acionistas, realizada a 7 de abril de 2017, abarcou apenas a discussão e aprovação do Relatório e Contas, análise dos relatórios e pareceres do auditor externo e do conselho fiscal, distribuição e aplicação dos dividendos, plano de consolidação, modernização e desenvolvimento e aumento do capital social.
A alteração na estrutura societária do sétimo maior banco em ativos do sistema financeiro angolano voltou a não fazer parte da reunião seguinte, que juntou acionistas a 6 de abril de 2018 na sua sede, com o exercício do ano anterior em discussão.
“Procedimentos legais foram cumpridos”
Coutinho Nobre Miguel, presidente do conselho de administração e administrador não-executivo do Banco Sol, explica que, apesar de não ter sido feito publicidade, “a saída do acionista João Lourenço foi discutida internamente”.
“O que aconteceu é que o acionista (Presidente da República) decidiu alienar as suas participações em nome da empresa AZURY porque os demais acionistas prescindiram do direito de preferência”, começou por esclarecer o principal gestor da instituição bancária, que, sem avançar mais pormenores, assegura que “foram cumpridos todos os procedimentos legais e que tiveram o aval do Banco Nacional de Angola (BNA)”, à época dirigida por Valter Filipe.
Entretanto, fontes do Expresso que pediram para não ser identificadas, descartam qualquer hipótese de João Lourenço ter vendido as suas participações. “O que o Presidente fez foi colocar à guarda as suas ações em função das atuais responsabilidades políticas e governativas, porque não queria misturar negócios e a política”, asseguraram três responsáveis da instituição bancária.
Um gestor de topo do BNA, o regulador do sistema financeiro de Angola, diz que, devido à elevada “exposição política” do Banco Sol, que tem acionistas maioritariamente dirigentes do Bureau Político e do Comité Central do MPLA, “o ideal seria o banco e o acionista em referência prestarem alguma informação aquando da operação, até mesmo para salvaguardar os riscos reputacionais da instituição”.

João Lourenço em silêncio
Perguntas enviadas há mais de dois meses a João Lourenço por intermédio do seu secretário para os Assuntos de Comunicação Institucional e de Imprensa, Luís Fernando, ficaram sem resposta. Uma delas era sobre o que o levou a colocar as suas participações em nome de funcionários de Carlos Feijó, ao invés, por exemplo, de familiares diretos e por que razão ao assumir a função de Presidente da República não anunciou publicamente como ficaria a gestão da sua participação societária no Banco Sol.
Entretanto, semanas depois de ter sido confrontado com o questionário, o Presidente da República concedeu uma entrevista conjunta ao semanário angolano “Novo Jornal” e à Televisão Pública de Angola, na qual explicou que fez a sua declaração de bens e rendimentos na Procuradoria-Geral da República, conforme manda a lei, e que o conteúdo do documento, com detalhes sobre a sua participarão societária na instituição bancária, só poderá ser tor- nado público “caso eu venha a ter algum problema e a Justiça seja obrigada a violar, digamos, o lacre do envelope que entreguei”.
Também pedimos esclarecimentos ao advogado Carlos Feijó, na qualidade de partner da firma de advogados que defende os interesses da sociedade comercial que “protege” a posição societária de Lourenço no Banco Sol. Este recusou-se a comentar, remetendo a sua reação para os esclarecimentos prestados pelo presidente do conselho de administração do banco.
“A informação de que disponho é a de que o presidente do Banco Sol, Coutinho Nobre Miguel, forneceu todos esclarecimentos. Não sou seguramente a pessoa indicada para dar informações sobre ações em bancos, que devem ser da exclusiva responsabilidade dos bancos”, afirmou Feijó, por SMS.

Embora aplaudida em alguns círculos, a decisão do Presidente da República merece uma observação crítica do economista Alves da Rocha, diretor do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (Ucan), para quem “o Presidente tem o dever e a obrigação de informar os cidadãos sobre a sua vida financeira”.

“Por uma questão de transparência, atendendo aos desafios de combate à corrupção que o Presidente Lourenço se propôs, era fundamental saber com que património entrou e com que património vai sair”, disse o economista, acrescentando que “temos de saber com quem estamos a lidar”. Em jeito de conclusão, Alves da Rocha, também membro do Conselho Fiscal do Fundo Soberano de Angola, deixa um conselho: “Penso que seria um passo importante de modo a que se consiga renovar a confiança no Presidente Lourenço.”
Exigida mais transparência
Numa das sessões parlamentares relativas à discussão da lei sobre o repatriamento coercivo de capitais, o deputado pela CASA-CE, Makuta Nkondo, defendia que João Lourenço e a mulher, Ana Dias Lourenço, antiga representante de Angola no Banco Mundial e ex-ministra do Planeamento no Governo de Eduardo dos Santos, deviam “declarar publicamente as suas fortunas, os seus bens móveis, imóveis, corpóreos e incorpóreos” e “explicar onde estão, em nome de quem e como os adquiriram”.
O economista Precioso Domingos, professor de Economia Internacional na Ucan e investigador sénior do CEIC, afirma que, sendo o Presidente da República uma figura que integra o grupo das pessoas politicamente expostas, e tendo em conta que apregoa a transparência e o combate à corrupção, era fundamental que desse informações sobre o seu património e como ficaram as ações no Banco Sol, para evitar que venha a ser acusado de enriquecimento ilícito.
Mas o economista não acredita que o Presidente angolano “tenha interesse em levantar poeira”, sob pena de “também ser visto como alguém que acumulou riqueza no passado” e um dos beneficiários do “banquete” [expressão introduzida no léxico político angolano pelo sucessor de Eduardo dos Santos para classificar os que se enriqueceram às custas do Estado].
Por seu turno, Sérgio Raimundo, um dos mais renomados advogados criminalistas do país, diz que a falta de informação sobre a saída de João Lourenço do Banco Sol, principalmente por parte da própria instituição bancária, tem muito que ver com a cultura de transparência nas instituições angolanas, em particular as que mantêm ligações excessivamente políticas.

“Esconder este tipo de informação só prejudica a reputação do banco, mais ainda porque, a nível internacional, os investidores e as instituições bancárias têm enormes dificuldades em trabalhar com bancos ligados a governantes ou a pessoas politicamente expostas”, afirmou.

Raimundo defende, por isso, uma “urgente” alteração da legislação em vigor sobre a declaração de bens e rendimentos. “Se quisermos aplicar mesmo a transparência, não podemos ter condutas ocultas.”

Até dezembro do ano passado, integravam a estrutura acionista do Banco Sol, entre particulares e acionistas coletivos, a Sansul SA, com 51% do capital, a Fundação Lwini, com 10%, Noé Baltazar (5,42%) e a ex-primeira-dama de Angola, Ana Paula dos Santos (5,4%), a Sociedade Comercial Martal, Lda. (5,42%), o antigo ministro das Finanças Júlio Marcelino Bessa (4,17%), Coutinho Nobre Miguel (3,91%), António Mosquito (6,33%), e AZURY, SA (5,42%).

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