Quantas (Vespas Marimbondos) caíram durante o combate á corrupção em Angola?
Wilton António
Fonte:angonoticias
João Lourenço ainda estava na corrida para a Presidência da República quando fez do cerco à corrupção uma das suas principais bandeiras de campanha como candidato do MPLA. Continuou a mostrar esse objetivo como Presidente e, em novembro, de visita a Lisboa, usou até uma metáfora para prometer que, apesar de sentir algumas “picadelas”, não iria desistir de mexer “num ninho de marimbondos [vespas]’’.
Tinha-se esfumado já o fator “irritante” que durante meses causara tensão nas relações entre Portugal e Angola (o processo de Manuel Vicente) e pedia-se ajuda a Portugal para repatriar capitais angolanos. Mas sentirão mesmo os angolanos que este combate à corrupção está a chegar a todos os marimbondos? “Enquanto Manuel Vicente, Isabel dos Santos, generais Dino e Kopelipa não se sentarem no banco dos réus, ninguém acredita nessa mudança. Havendo tanta evidência, e sendo estes quatro os principais saqueadores do país, é preciso que alguém explique porque continuam a ser protegidos”, diz à VISÃO o jornalista angolano Rafael Marques. “Estes indivíduos criaram um património extraordinário lá fora, mas também em Angola. O Presidente tem de ter um plano para arresto destes bens”, insiste o jornalista do site de notícias Maka Angola.
A procuradoria-geral da República de Angola fala em 604 processos na Direção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção. E de 101 casos no Departamento Nacional de Investigação e Ação Penal relacionados com corrupção, tráfico de influência, peculato e recebimento indevido de vantagem. Mas o que todos querem saber é até onde irá a caça ao homem: chegará esta cruzada contra a corrupção às principais figuras do antigo regime de José Eduardo dos Santos?
A VISÃO recorda os casos judiciais pendentes naquele país contra alguns destes protagonistas e lembra os processos que têm todos os ingredientes para causar novos “irritantes” com Portugal.
Em condições de total independência, o tema BES Angola teria estado obrigatoriamente na agenda das conversas entre Marcelo Rebelo de Sousa e João Lourenço durante a visita oficial do Presidente da República a Angola, em março passado, e o Governo português estaria a bater-se neste momento para retaliar o seu direito a reaver os 3 mil milhões de euros que o BES e o Novo Banco perderam em Luanda, em outubro de 2014, numa assembleia-geral ferida de ilegalidades. Em vez disso, tem imperado o silêncio.
A VISÃO revelou em fevereiro, através de uma série de documentos inéditos, como os acionistas angolanos do velho BES Angola tomaram de assalto aquela instituição bancária, afastaram os portugueses da liderança e transformaram-na em Banco Económico. Tal aconteceu a 29 de outubro de 2014, quando a representante do BES foi impedida de entrar numa assembleia-geral em Luanda decisiva para o futuro do banco, os outros acionistas decidiram sozinhos que o Banco Espírito Santo, que era nada mais nada menos do que o principal acionista do BESA, veria o seu capital reduzido a zero.
Durante anos, o BES emprestou dinheiro à sua filial de Luanda, sobretudo para compra de títulos de dívida pública angolana e confirmação de cartas de crédito a exportadores portugueses. No dia da resolução do BES em Portugal, a 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal decidiu que as ações do BES no BESA ficariam no banco mau, mas a dívida do BESA ao BES ficaria no Novo Banco. Logo, o BES Angola deveria nessa altura cerca de 3,4 mil milhões de euros ao chamado banco bom. Acontece que em outubro, poucos minutos depois de a representante do BES ter sido proibida de entrar naquela assembleia-geral em Luanda, também o Novo Banco aceitou perdoar 80% desta dívida do BESA: em vez dos 3,4 mil milhões de euros, receberia, na melhor das hipóteses, 688 milhões de euros.
As operações de redução do capital do BES a zero, e do perdão de 80% da dívida ao Novo Banco, foram feitas tendo por base intrincadas operações contabilísticas que apontavam para a necessidade de absorver prejuízos no BES Angola. Acontece que esses prejuízos nunca foram identificados. A falência do BESA é sustentada em alegados relatórios aos quais em Portugal ninguém teve acesso, nem mesmo o Banco de Portugal. Nem a KPMG, nem o Banco Nacional de Angola (BNA), nem o Banco Económico acederam a fornecer estes documentos, o que aumenta as dúvidas sobre se existiam ou não prejuízos daquela gravidade, se foi de facto injetado novo capital no Banco Económico ou se tudo foi um plano montado pelos acionistas angolanos do BESA, com a conivência do Banco Nacional de Angola, para tomarem conta do banco e não pagarem a totalidade da dívida a Portugal.
Leopoldino Nascimento, conhecido como general Dino e ex-consultor do chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, e Zandre Campos Finda, conhecido por ser o testa de ferro dos negócios de Manuel Vicente, Dino e Kopelipa (Hélder Vieira Dias), estiveram presentes na assembleia-geral como representantes de empresas que eram acionistas do BESA e de outras que passaram a ser sócias do Banco Económico.
Apesar da sucessão de episódios estranhos, da ocultação de documentos, e das ilegalidades cometidas naquela assembleia-geral, nenhuma entidade em Portugal parece preocupada em averiguar o que verdadeiramente aconteceu no BESA, desde a gestão de Álvaro Sobrinho até àquela reunião de outubro de 2014. Nem mesmo Marcelo quis comentar, alegando que o assunto não faz parte das competências presidenciais. Mas conseguirá o tema passar à margem da visita oficial do Presidente da República a Angola, quando estão em causa mais de €3 mil milhões perdidos, que custam centenas de euros a cada contribuinte português?
“Está claro que houve um golpe ao BESA”, sentencia Rafael Marques. O que não é compreensível, acrescenta, é como “um sócio minoritário [Dino] decide os destinos contabilísticos dos sócios maioritários e continua a circular como um respeitado homem de negócios.”
Do lado de lá, também o silêncio impera. A PGR de Angola admite apenas que o tema BESA está sob investigação. Não adianta quem são os suspeitos e se o que está a ser investigado são apenas os alegados créditos atribuídos sem garantias durante a liderança de Álvaro Sobrinho ou também a possibilidade de a falência do banco ter sido ficcionada para beneficiar um quarteto próximo de José Eduardo dos Santos.
Durante meses, ouviram-se políticos de cá e lá defenderem que Angola é um Estado soberano e deve julgar os seus, enquanto a Justiça portuguesa insistia que Manuel Vicente, então número dois de José Eduardo dos Santos, deveria ser julgado em Portugal por ter corrompido um procurador português (Orlando Figueira), oferecendo-lhe dinheiro e um bom cargo em troca do arquivamento de processos contra altas figuras do regime angolano. Até que, em maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa tomou a decisão de enviar para Angola o processo em que Manuel Vicente foi acusado de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. E assim se acabava a tensão entre os dois países que estavam “vocacionados a encontrarem-se”, dizia Marcelo na altura.
Certo é que, embora Manuel Vicente já não seja vice-presidente de Angola, não tenha qualquer cargo de topo e até não tenha a simpatia da maioria dos angolanos, não se conhecem desenvolvimentos deste inquérito naquele país. A não ser uma vaga garantia de que o caso continua a ser investigado.
Em Portugal, o tribunal deu como provado que Orlando Figueira aceitou subornos do ex-vice-presidente angolano. Mas até ver, dez meses depois de os indícios terem sido enviados para Angola, não há notícia de qualquer consequência para o alegado corruptor. E esta continua a ser a principal prova de fogo para o reinado de João Lourenço: ver até que ponto o seu combate à corrupção não olha a quem. E se Manuel Vicente vai ou não ser integrado no grupo dos que traíram a pátria.
A circunstância parecia ter sido escolhida a dedo para assinalar um ano de mandato de João Lourenço como Presidente de Angola. A 24 de setembro de 2018, José Filomeno dos Santos era detido preventivamente em Luanda, no âmbito do processo em que é suspeito de crimes de corrupção e gestão criminosa na gestão do Fundo Soberano. Estava ali a primeira prova de que João Lourenço parecia disposto a cumprir a máxima que levou para a tomada de posse: ninguém era “rico ou poderoso demais para se furtar a ser punido”.
E se há algo em que este novo regime se parece esforçar é nas tentativas de abater o clã dos Santos. De enfiada, Isabel dos Santos foi demitida do cargo de presidente do conselho de administração da petrolífera Sonangol e José Filomeno dos Santos exonerado de administrador do Fundo Soberano de Angola. Num instante, Isabel e José Filomeno passaram de filhos protegidos do ex-Presidente da República de Angola a um alvo privilegiado até do Ministério Público angolano.
Antes de ser preso preventivamente, por indícios de desvio de fundos do Fundo Soberano de Angola, já José Filomeno, conhecido como “Zenú”, tinha sido acusado, em agosto, num outro processo, por suspeitas de ter burlado o Estado angolano em 500 milhões de dólares.
Agora, Isabel dos Santos também não escapa. A mulher mais rica de África é suspeita de ordenar transferências de 38 milhões de dólares, já depois de ser exonerada da administração da Sonangol. Esse inquérito vai seguir nas próximas semanas para a Direção Nacional de Investigação e Ação Penal de Angola.
Já Zenú foi libertado no fim de março, juntamente com Jean-Claude de Morais Bastos, seu sócio, com a Procuradoria-Geral da República de Angola a justificar a libertação do luso-suíço com a recuperação de todos os ativos financeiros e não financeiros pertencentes ao Fundo Soberano de Angola.
Setembro de 2018 foi pródigo em deixar cair supostos intocáveis. Neste mês, também Augusto da Silva Tomás, ex-ministro dos Transportes, foi detido preventivamente por suspeitas de peculato (uso de bens públicos para fins privados), corrupção e branqueamento de capitais na gestão do Conselho Nacional de Carregadores.
Entretanto, este antigo ministro já foi acusado e outro governante de José Eduardo dos Santos foi “encostado” pela Justiça angolana. Higino Carneiro, ex-ministro das Obras Públicas, general e agora deputado do MPLA, continua em liberdade mas foi constituído arguido e interrogado durante sete horas, em Luanda, em fevereiro deste ano, por suspeitas de má gestão no período em que foi governador de Luanda, entre 2016 e 2017. E não é improvável que venha a ser interrogado novamente, por outras suspeitas relacionadas com despesas principescas dos tempos em que foi ministro das Obras Públicas.
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