Três meses depois,
continua por esclarecer a
morte de várias pessoas
seguidoras do pastor
Kalupeteka, da seita "A Luz
do Mundo", na província
angolana do Huambo. As
informações sobre o real
número de mortos
divergem, consoante quem
as emite. O governo fala
em nove polícias mortos e
13 vítimas civis. Por sua
vez, a oposição chegou a
falar em mais de mil
vítimas de um hediondo
massacre que o governo
quer encobrir e esconder
aos olhos do mundo.
"700 pessoas morreram
porquê?"
Agora surge um
depoimento de uma
testemunha ocular, a
declaração de Fernando
Kalupeteka, um dos filhos
do pastor José Kalupeteka,
que o jornalista William
Tonet conseguiu localizar,
algures no mato, na região
de Caála, no Huambo. A
DW teve acesso às
declarações, em que
Fernando Kalupeteka fala
de mais de 700 mortos:
"Ali no Sumi morreu muita
gente. 700 pessoas
morreram no Sumi."
Fernando Kalupeteka
afirma que presenciou
tudo e que, por isso,
estaria em condições de
falar em primeira mão:
"Eu estava no Sumi. Vi a
tropa a massacrar as
mulheres grávidas, com as
suas barrigas. Eu vi com a
minha vista. Eu só quero
perguntar: 700 pessoas que
morreram no Sumi,
morreram porquê?"
As mortes deram-se na
sequência de confrontos
entre a Polícia Nacional de
Angola e os seguidores da
seita religiosa "A Luz do
Mundo", liderada por José
Kalupeteka, no município
de Caála e no Monte Sumi,
na província do Huambo,
em meados de abril.
Recorde-se que a seita que
tinha milhares de
seguidores era acusada
pelas autoridades
angolanas de desrespeito
pelas leis do país,
nomeadamente, de proibir
crianças de frequentar
escolas e tomar vacinas. O
conflito que envolveu o
próprio governador do
Huambo, Kundi Paihama,
alastrou-se e culminou em
detenções, confrontos
físicos entre seguidores e
polícias e mesmo mortes.
Quantas pessoas terão
perdido a vida? Vários
observadores falam em
mais de mil vítimas. Mas as
autoridades de Angola
continuam a dizer que
teriam morrido apenas 9
polícias e 13 civis.
Não foi apresentado
um único cadáver de
um único civil
O jornalista angolano
William Tonet, diretor do
Folha 8, semanário crítico
ao regime angolano, não
acredita na versão das
autoridades: "O caricato é
que nem os 13 corpos o
governo consegue
apresentar." William Tonet
recorda que em Huambo
houve um funeral, em que
foram enterrados os nove
polícias, mas três meses
depois ainda não foram
mostrados os corpos dos
membros da seita."
Note-se que a estratégia do
governo angolano de
abafar o assunto tem
surtido algum efeito,
segundo admitem alguns
observadores. É
praticamente impossível
aceder ao local, que as
forças transformaram
numa zona altamente
militarizada, segundo
afirma William Tonet:
"Tentei contactar
legalmente as autoridades
para vêr se podíamos ir ao
Monte Sumi, mas
caricatamente
transformaram aquilo
numa área militar. Isso
inviabiliza que se possa ir
lá para apurar a verdade".
O jornalista procurou as
aldeias da região durante
cinco dias, mas não
encontrou nenhuma aldeia
que tenha acolhido os
elementos da seita: "Só
depois de muito tempo é
que encontrámos alguém
que nos indicou onde
poderíamos localizar os
filhos do Kalupeteka",
afirma William Tonet em
entrevista à DW.
Muitos seguidores da
seita desapareceram
Note-se que o líder da
seita, a sua esposa e vários
filhos estão presos, em sítio
incerto, e impedidos de
serem contactados por
organizações de direitos
humanos e advogados. As
autoridades angolanas
afirmam que os seguidores
da seita teriam sido
levados para um
acampamento, que -
segundo William Tonet -
"simplesmente não existe".
O jornalista, depois de
muita insistência,
conseguiu localizar alguns
dos filhos de Kalupeteka,
que ainda não foram
presos, tendo-se refugiado
no mato, registando o
testemundo de Fernando
Kalupeka, já adolescente,
que afirma ter medo de ser
preso, torturado ou mesmo
morto, pela polícia
angolana: "Por isso ando
no mato. Prefiro ficar aqui
com os mosquitos a morder
o meu corpo, com fome. Eu
prefiro assim."
Testemunho credível,
ignorado pelo governo
e pelo mundo
Um depoimento
considerado credível pelo
jornalista, mas que as
autoridades angolanas não
querem ouvir, segundo
William Tonet. "É o
primeiro depoimento que
vem dar consistência às
imagens, também em nossa
posse, da chacina cometida
pelas tropas, o que
alavanca a tese de ter
havido, na realidade, um
genocídio. Não foi apenas
um ajuste de contas pela
morte de nove polícias. Foi
mesmo uma verdadeira
chacina, un autêntico
genocídio."
Quem deverá ser
responsabilizado pelos
acontecimentos? Para
William Tonet, que
também é jurista, a questão
está clara: "Do ponto de
vista imediato, quem
estava no terreno, quem
deu orientações à polícia
para ir lá repor a
autoridade, foi o
governador provincial do
Huambo, Kundi Paihama.
Mas do ponto de vista
constitucional a
responsabilidade do
genocídio incumbe ao
Presidente da Repúbica,
porque ele é o titular do
poder executivo.
0 Comentários